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sábado, 22 de agosto de 2009

Fragmento do livro Olívia


“Rompendo as barreiras do preconceito”.

Capítulo I


Leonardo Gusgam Filho vislumbrava o corpo sobre a cama, apenas o lençol branco de seda chinesa cobria parcialmente a nudez do jovem que dormia tranquilamente, tinha o rosto coberto pelos cachos loiros que brilhavam sob a luz do sol que invadia o quarto pelas persianas abertas, o executivo ajeitou o terno no corpo e deu as costas, queria ficar, porém tinha compromissos na empresa de cosméticos onde era cotado á presidência, fechou os olhos ainda sentindo o cheiro daquele corpo que o perturbava, voltou a si imaginando quão desastroso seria para sua carreira e reputação se alguém ao menos imaginasse aquela cena.
_Não vai me dar um beijo de bom dia?
A voz rouca fê-lo se voltar.
_Não queria acordá-lo.
_Ainda é cedo, não gostaria de voltar para a cama?
_Pedro... Pedro...Sou um executivo, não posso me dar ao luxo de ficar até tarde na cama.
_É verdade, às vezes a vida de artista não me priva de alguns prazeres, mas tudo bem, também tenho que ir, uma modelo me espera e tenho que pinta-la em uma semana, você me da uma carona?
_Claro!
_Podemos passar em algum lugar e tomar um café, o que acha?
_Seria bom, mas não tenho tempo.
_Gostaria que passasse mais tempo comigo.
_Eu sei, mas não posso, não por enquanto.
_Você está estranho, aconteceu alguma coisa?
_Não, nada, vamos?
Por ser aquele um prédio de luxo, não havia transito constante pelos corredores, Leonardo e Pedro param a espera do elevador.
_Por favor, Pedro, aqui não!
_Porque não?_Ele riu maliciosamente fazendo aparecer as covinhas que lhe davam um ar infantil.
_Pirou?Estamos no corredor!
_Está bem, já sei... As pessoas podem estranhar dois homens se beijando e ai você vai ficar constrangido porque é um empresário conceituado no ramo de cosméticos e não quer colocar o nome da sua família a perder.
_Você coloca tanta fatalidade em suas palavras que chega a dar medo, sabia?_Beijou-o rapidamente._Só não quero chocar as pessoas que moram aqui.
_E desde quando o amor choca as pessoas?Hello,estamos no século XXI!_Estalou os dedos.
_Está bem... _Ajeitou o paletó e apertou a gravata assim que entrou no elevador.
_Quando é que vai me deixar pintar você?_Tocou-lhe o rosto com as costas da mão.
Leonardo se afastou ao notar o olhar curioso da vizinha do 261 que os observava antes da porta se fechar.
_Você deve conter seus ímpetos afetivos na frente das pessoas Pedro!
_Você chega a me irritar com essa sua discrição excessiva._Virou o rosto demonstrando irritação.
_Eu te amo meu anjo._Tocava os cabelos encaracolados e loiros, que se espalhavam volumosos naquela cabeça ainda jovem e cheia de conceitos revolucionários._Só que tenho meus motivos para não vivermos como um casal.
_Até quando Léo?
_Até quando for necessário, só isso.
_Não suporto essa espera, sabia?Saí de casa, briguei com,meus pais ao assumir o que sinto por você, acha fácil saber que seu próprio pai te mataria se entrasse em casa e que sua mãe vive dizendo que a sua preferência sexual é apenas um surto de personalidade e que vai passar?
_Sei que não é, por isso quero que se acalme, saiba esperar.
_Esperar...Não sei até quando vou suportar isso, sempre a mesma coisa, as vezes acho que estou perdendo meu tempo com essa relação.
_Acaso está pensando em acabar com a nossa história?São quatro anos juntos, acha que estou a brincar com você?
_Esquece, vou para meu AP, te ligo mais tarde._Saiu apressado assim que a porta do elevador se abriu.
Leonardo o deixou ir, lhe conhecia o gênio indomável, esperaria que ele se acalmasse e ligasse mais tarde, era como sempre acontecia quando brigavam, tinha seus rompantes passageiros de cólera, mas assim que esfriava a cabeça o procurava novamente.
_Pouca vergonha.
A senhora do 261 murmurou ao se encontrar com Pedro na saída do prédio.
_O que disse?
_Que é uma pouca vergonha dois homens se namorando.
_Olha aqui... _Tinha o rosto em brasa. _...Não vale a pena gastar nem meu linguajar vulgar com a senhora. _Saiu ganhando o jardim do prédio.

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.Mal o começara a amanhecer Leonardo desligara o celular, se vestira, apanhou alguns papéis e saiu, a casa ainda estava escura, olhou o relógio de pulso, eram duas da madrugada, entrou no carro, fez um gesto para que o segurança abrisse o portão, seguiu a avenida central, pegou o desvio na rua Clauss e estacionou em frente ao apartamento na Rua Lionel Thornes, acendeu a luz, o cheiro de mofo já invadia o lugar, abriu as janelas para que ficasse um pouco arejado, se sentou na poltrona e ficou a reviver em sua mente os momentos maravilhosos que tivera ali com seu anjo.
_Eu estraguei a nossa vida Pedro. _Fechou os olhos contendo as lágrimas, se levantou e começou a vasculhar as tralhas que se encontravam amontoadas num canto da sala, achara o que procurava, uma corda, puxou suas extremidades para ver se estava resistente, após constatar que sim amarrou uma das extremidades numa das vigas de madeira do teto, na outra confeccionou um laço, o qual enfiou a cabeça após subir sobre a poltrona, fechou os olhos apertando-os.
_Meu Deus, nem me matar consigo... _Se livrou do laço deixando o corpo cair sobre a poltrona.



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_O que você fez, minha menina?O que nós fizemos?Talvez se não tivesse colocado você para fora de casa nada disso teria acontecido, eu também sou culpado pela sua morte._Chorava abraçado ao corpo._Me perdoe por favor, me perdoe, eu falhei na minha missão de pai, não estive com você quando mais precisou, não te dei meu ombro quando o procurou, onde estiver agora que seja capaz de me perdoar._Ergueu e com as mãos sobre as dela pronunciou uma breve oração e em seguida começou a cantar um hino que parecia lhe brotar das profundezas da alma :
“Quando o sofrimento turva o meu olhar, apenas posso ver a escuridão do desespero, enquanto a dor dilacera o meu ser.
Volto os olhos para os céus e onde está Deus?
Do alto posso ouvir sua voz de trovão a responder :
Estou em você
Estou com você
Sou tão impuro e sem forças, mal consigo me por de pé
E Ele me vem cheio de luz e esplendor e me diz:
Estou em você
Estou com você
Peço que me toques, Senhor, que me veja como sou
Pobre servo pecador á procura de refrigério
Volte seus olhos e veja meu corpo curvado e cansado
E ouço a sua voz a me dizer:
Estou em você
Estou com você
Tome-me pelas mãos e me conduza pelos campos verdejantes, junto ás fontes de águas mansas
Não me abandone á minha própria sorte
Tome minhas mãos Senhor e me conduza pelos caminhos da tua verdade
E ouço tua voz a dizer:
Estou em você
Estou com você...´´


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_Está bem, mas porque queria que eu viesse com urgência?Acaso consegui um doador?
_Sente-se, por favor.
Pedro ajeitou a camisa e se sentou na maca.
_Na verdade não e temos que correr contra o tempo, acho que você já deve ter pesquisado sobre sua doença e visto que é um dos tipos de leucemia mais agressivos.
_Sim, sei. _Baixou a cabeça, não queria que o médico notasse que sentia medo.
_Então não podemos esperar que ela se espalhe com velocidade maior, terá que se submeter à quimioterapia.
_Está bem.
_Pense sempre positivo é importante em qualquer quadro clínico, terá que ter força nesta fase.
_Vou tentar, quando começarei o tratamento?
_Amanhã.
_Tão rápido?
_Está na hora, Pedro, acho que deveria tentar falar com seu pai sobre sua doença, ele pode ser um possível doador.
_Acho que o senhor deve ter conversado com ele, pelo que ouviu sabe que mesmo que fosse ele não doaria.
_Mas num caso desses um pai sempre se rende...
_Um pai doutor, não o Gregory Menger, bom... Tenho que ir.


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Eram 10:25 da noite quando o médico abriu a porta do quarto, Leonardo estava ao lado do leito, olhava para a figura pálida sobre a cama.
_Doutor...?
_È como pensávamos, o estado de saúde dele está piorando.
_Quanto tempo ele tem de vida?
_Não gosto de estimativas, mas digo que se dentro de um mês não aparecer um doador ele perderá todas as chances de conseguir.


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_Papai?!
_Eu não poderia deixar de vir. _Estendeu os braços para abraçar o filho.
_Obrigado. _Abraçou-o.
_Eu estive errado todo esse tempo, você é meu filho, não poderia ter feito o que fiz.


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_Laviny?_ Identificou-a após alcançar o interruptor.
_Quero você hoje, por favor, não me mande embora, eu te amo Léo, mais que tudo!_Não estava bêbada, mas mantinha aquele diálogo febril tocando-lhe o rosto com as mãos trêmulas. _Me perdoe pelas coisas idiotas que fiz, me deitava com o Ralfy, mas era seu corpo que eu desejava, você é tudo o que quero e...
_Chega Laviny._Gritou, mas se arrependera ao ver a frágil figura se encolher no canto da cama._Separação de corpos será melhor para nós dois.


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_Ralfy, já está tudo pronto, os microfones estão instalados, ali embaixo da mesa e outro atrás daquele quadro, tem uma câmera no coqueiro ornamental, o peso de papel é uma e a última está ali no lustre.
_Ótimo Willy, como sempre, fazendo trabalhos de profissional, acho que não perderei nenhum ângulo e nenhuma conversa, será um verdadeiro reality show.
_Não se pode perder tempo, não é?Mas me diga uma coisa, quem você está querendo ferrar?
Ralfy sorriu passando os braços por sobre os ombros do amigo.


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_O que faço agora, senhor Brumer?
_Pensaremos em algo, apenas peço que haja controle das emoções entre vocês dois.



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_Maria, onde está o meu bebê?_Jogou a bolsa sobre o sofá enquanto abraça a empregada.
_Me deixa seu tarado!_Brincou.
_A Olívia está dormindo?
_Não, a Ivy a levou para conhecer o pai.
_A Ivy o que?
_Isso mesmo, levou a amenina para ver o pai.
_Ela devia ter me dito que faria isso, não podia simplesmente sair assim e pronto.
_Olha Pedro... _Deixou o espanador sobre a estante. _... Sei que o que vou dizer vai doer, mas tenho que falar, não fique se iludindo muito, a Ivy é uma boa pessoa, mas está enfeitiçada por aquele homem, ele não presta, mas ela o ama, se as coisas estiverem indo como ela fala, a qualquer momento poderão ir morar juntos, por isso quero que tenha os pés no chão caso isso aconteça.
Ele baixou a cabeça.
_Eu nunca irei deixar a Olívia, Maria, aconteça o que acontecer, e sei que ela não aceitará outro como pai, é uma criança inteligente e sente o tamanho do meu amor por ela.


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_Denzel..._Não obteve resposta._Denzel...Olha, vou lhe contar a minha história, sei que você não está dormindo.Quando eu descobri que era gay foi um choque pra mim, apesar que desde criança me achei diferente dos meus colegas de classe, até ai tudo bem, eu era só uma criança, mas o tempo foi passando...passando...Quando adolescente fugia das meninas que se insinuavam para mim, as pessoas achavam que eu era tímido, a verdade é que eu não sentia nada por elas, me arrisquei a sair com algumas, isso me assustava, quando completei 19 anos já sabia o que era e o que queria, contei á minha mãe, ela me levou a um psicólogo, ficara preocupada, mas na cabeça dela eu estava apenas confuso e me acertaria depois, acho que a ficha dela só caiu quando contei a meu pai, se não fizesse isso iria estourar, me lembro como hoje, era uma noite de domingo e chovia muito, ele arrancou o sinto e me bateu como nunca fizera, pois jamais me havia levantado a mão, apesar dos gritos e intervenções de minha mãe ele não me deixou, enquanto não me viu sangrar não largou aquele sinto, me arrastou até o jardim, abriu o portão e me lançou na rua, dizendo que o filho dele acabara de morrer, nunca mais me aceitou em casa, nem mesmo quando minha mãe se suicidou._Continuou após um profundo suspiro._Acho que o que me mantêm de pé é a amizade da Ivy que anda um pouco abalada e a minha Olívia,mas se quer saber, tive um amor, um homem maravilhoso, sei que isso não interessa á você, mas não é o único que me julga e nem o será, só queria que soubesse uma coisa, que eu não pedi para nascer assim e nem escolhi, acaso já tentou comer brócolis e ervilhas quando os detesta? É a mesma coisa, não podia eu ficar com uma mulher sem sentir atração por ela, as coisas nem sempre são como desejamos, eu enfrento desafios todos os dias sabendo que posso me deparar com alguém que vai me destratar por eu ser como sou, um humano que se assume, quase morri por isso e por ironia do destino salvei meu algoz, a vida é muito engraçada... É só isso, boa noite Denzel.


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_Quero levar a menina para morar comigo.
_O que?Deixa-me ver se entendi direito, você quer levar a Olívia com você, é isso?
_É um direito meu.
_Você não tem direito algum ao se tratar da minha Olívia, eu a registrei, eu dei a ela nome que você negou, sou o pai que você será incapaz de ser, eu estive ao lado dela nos primeiros passos, acordei de madrugada para ver se ela estava coberta, fiquei preocupado quando ela teve febre, vi o primeiro dentinho dela... E você ainda quer que alguém acredite que é o pai dela?
_Agradeço a você por tudo isso, mas é hora de fazermos a coisa certa, vou levá-la comigo.
_A Olívia não sai dessa casa.
_Tudo bem, nossa briga será na justiça, quero ver a quem o juiz dará a guarda, a um homossexual que a registrou ou ao pai verdadeiro.


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_Também a validade desse documento é incontestável, é certo que o senhor Luige Morval é o pai biológico da criança Olívia Dias Menger, assim registrada pela mãe senhora Ivy Dias e pelo pai adotivo, como trataremos o senhor Pedro Clávora Menger.
_Então senhor juiz, com esta prova incontestável, não há porque levarmos adiante esse julgamento já que tem em mãos esta prova maior.
_Doutor Setúbal, deixe que eu decida até onde levaremos essa sessão.


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_O senhor tem filhos, doutor Setúbal?
_Sim, um casal.
_Pode me dizer qual a idade deles?
_A menina tem 5 anos e o menino 11.
_Obrigado, creio que apesar do seu trabalho corrido, ainda encontra tempo para no mínimo passar em casa, beijar-lhes e dizer que os ama.


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_Senhor meritíssimo...
Todos se voltaram em direção a voz, onde a babá Nancy de pé erguia o braço.
_Peço permissão para mostrar uma coisa, antes que dê o veredicto meritíssimo.
_Quem é você?
_Sou Nancy, fui contratada como babá da menina Olívia pelo casal Morval.
_Está bem, permissão concedida.


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_Sabe qual a imagem que tenho de liberdade?_Aconchegou a cabeça no colo de Leonardo.
_Não imagino.
_A Olívia inclinada sobre peitoral da janela do meu quarto com as mãozinhas fechadas em concha, na verdade não me preocupei muito com o que ela segurava, apenas tive medo que caísse lá de cima, e quando me aproximei ela tinha o olhar aflito de criança a fazer arte, abriu as mãozinhas e gritou: ”_Voa amarelinho, voa!” Na hora tive vontade de dar-lhe umas palmadas, mas resolvi perguntar, porque havia feito aquilo, soltado o canário belga que eu tanto amava, e ela me respondeu: _ “Papai, eu não gostaria que você estivesse preso numa gaiola.”Na verdade nunca havia notado a tristeza daquele bichinho, acho porque o via como minha única companhia, porém sempre preso, quando livre algumas vezes o ouvi cantar como nunca em uma árvore em frente minha janela, ele ansiava por liberdade e eu ansiava por companhia, mas ele não era feliz e eu fingia ser, por isso o privei de voar.
_É engraçado, são as pequenas coisas e os pequenos gestos que nos ensinam grandiosamente.


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_Verdade, por isso acho que valeu a pena cada minuto de agonia, de medo e de sofrimento, isso me deu mais vontade de ser feliz.
_Eu sei, é como dizem não é?”A felicidade é refinada nos piores sentimentos.”



Raquel Luiza da Silva








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