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quinta-feira, 1 de outubro de 2015

Monólogo

Vou andando pela casa,
Já não sei onde encontrar meus livros preferidos,nem minha roupa, nem meus óculos...
Por vezes esbarro em alguns móveis, quebro alguns jarros...
Passo horas na banheira tentando lembrar-me das datas, dos aniversariantes que para mim são importantes, ou eram, já não o sei.
Demoro mais tempo a chegar ao telefone quando ele toca, raramente toca.
Fico a espera do carteiro, talvez traga uma carta, um postal... Qualquer coisa que sirva-me de prova que  lembram-se ainda que cá estou.
Sinto os dias mais longos e as noites infindáveis, como se somados fossem a eternidade das horas que não passam, mas que de alguma forma arrastam-me.
Deixei de lado alguns hábitos, os que requerem mais força ou exigem um pouco mais da dedicação por parte de minha inteligência.
Prefiro as horas de calma a observar coisas que outrora me eram banais e passavam tão despercebidamente, como observar de minha janela o sol a pôr-se ou a nascer por trás das montanhas, ou a rolinha que faz seu ninho na laranjeira do quintal, ou as formigas que bem organizadas preparam-se para o inverno, ou ainda, a figura refletida no espelho a enrugar-se...
Passei a ter apreço pelo trivial, esquecendo-me completamente do tudo que esgotava-me as forças, ou das horas jogadas fora nas noites boêmias.
Esse corpo já cansou-se, essa mente já cansou-se, prefiro por vezes a solidão que circunda-me, mas detesto quando esta dura o suficiente para que sinta-me só, no abandono.
E aos poucos o aprendizado de tantos anos vividos são como profecias já cumpridas, e ainda que eu viva mil anos, ainda serei aprendiz, e por isso não tenho pressa.
Ando a visitar com mais frequência grandes amigos, nos álbuns de fotos, já partiram, de muitos não tive tempo de despedir-me, faço-lhes uma oração e fico a tentar imaginar como estão, indago-me sobre a morte, não sei como reagirei quando face a face estiver com ela,por vezes apego-me a idéias tolas, como a que Deus guarda as almas em potes de maionese em estantes numa enorme sala, talvez esteja eu a perder a razão, mas será que algum dia tive-a?
Meus entes familiares aparecem sempre no Natal, trazem-me caixas de doces, mal sabem que minha saúde frágil impossibilita-me de degustá-los, mas finjo alegrar-me com tais presentes,para que sintam-se felizes pela minha felicidade fingida, alguns dizem que já pareço um grande palhaço desajeitado, pois bem, cumpro rigorosamente meu ditoso papel.
Apesar de tudo, essa idade não incomoda-me, não assusta-me, apenas torna-me curioso diante do que desconheço, o dia que virá...
E se estou velho?
Oh não! Estou apenas a perder a juventude que um dia bem vivi, pois sei que tudo que envelhece morre e tudo que morre deixa de existir, eu sou gente e gente vive na memória, ainda que de poucos, ainda que em fotos, ainda que em histórias.
Eu sou gente e gente não morre...
Talvez viva em potes de maionese, sobre estantes, na enorme sala de Deus.

Raquel Luiza da Silva.












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