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quinta-feira, 23 de abril de 2009

O VÔO DA LIBÉLULA



Ele tinha a cabeça dela recostada ao peito, olhava as libélulas, com seus corpos esqueléticos e asas de fada, é, asas de fada, desde criança imaginava que as fadas tinham asas finas e transparentes como as libélulas e que também voavam formosamente pelos jardins com suas varinhas de condão a espalhar pozinhos mágicos na vida das pessoas.
Magia, é isso que estava precisando em sua vida, desde que os 25 anos de convivência com a esposa passaram a ser tão comuns, se levantava de manhã quase de madrugada para ir ao trabalho, voltava á tardinha, quase noite, a esposa o esperava com a mesa posta e sempre dizia a frase costumeira:
_Como foi seu dia hoje?
_Bem._Sempre respondia e assim finalizavam o diálogo.
Agora estava ali com ela, á beira do rio de sua fazenda, ela não imaginava o que lhe passava pela cabeça, apenas olhava as libélulas e vez ou outra afastava um inseto que lhe pousava no nariz ou ameaçava faze-lo.
Lera sobre as libélulas era fascinado por elas pois sua vida de menino da roça lhe ensinara tal gosto, passava horas a fio a caça delas com os irmãos, agora se lembrava deles, o Zezinho, o Godofredo e o Jorge, todos mais velhos, mais altos, mais inteligentes, onde andariam agora?Não os via desde que se casara.
De repente uma vontade enorme de voltar a ser criança lhe invadiu a alma, ajeitou o corpo, as nádegas lhe doíam, estavam ali á quanto tempo?Uma, duas ou três horas?Não se lembrava, apenas queria ver as libélulas que o fascinavam.
Novamente a esposa brandi a mão no ar, porque implicava tanto com os insetos?Pensou olhando o movimento que ela fazia, são de tamanhos tão desproporcionais e ela insiste em assusta-los com seus movimentos bruscos que os esmagaria em um único ato.
Voltou a seus pensamentos, eram tão distantes e isso o fazia se sentir tão velho...
_Da pra parar de se mover?_Nossa! Ela estava ali, ainda recostada em seu peito, também já havia se esquecido disso.
Vivia reclamando, deviam tê-lo avisado que as mulheres mudam após o casamento e que são amáveis e dóceis apenas nos primeiros dez anos, talvez um pouco menos, mas ela mudara mesmo, vivia reclamando, colocando regras, não pode isso, não pode aquilo, é falta de ética, é falta de classe...e esse tipo de coisa ele não considerava como diálogo, mas as vezes era bom para quebrar o gelo, mas sempre o irritava.
_Está bem querida._Porque sempre fazia aquilo,sempre se calava quando na verdade queria lhe dizer umas boa palavras?
As libélulas continuavam o seu bailar, elas sim eram felizes, livres, eram feias na verdade, mas a liberdade que possuíam as tornavam invejadas e até o mais belo ser humano teria vontade de ser assim, livre para voar.
A monotonia já o estava enchendo, na verdade não de olhar aqueles insetos que tanto amava, mas de sentir aquela cabeça a pesar–lhe no peito, na consciência, no dia-a-dia, olhou fixamente para as libélulas imaginando se livre também, não conseguia parar de olha-las, parecia hipnotizado.
_Querida, eu quero o divorcio.
_O que?!
Já esperava por aquela reação, e pelo alívio daquela cabeça que ao se afastar lhe dava maior facilidade para respirar.
_Eu quero o divorcio.
_Mas...
_Pode ficar com a casa, com o carro, com os apartamentos, com as jóias, com minhas roupas, com meus cartões de crédito, com as crianças...
_Mas não temos crianças, nunca ás tivemos!
_È mesmo havia me esquecido desse pequeno detalhe, pois bem, não voltarei para a cidade com você, vou ficar aqui, no mato, com minhas libélulas.
_Está me trocando por esses insetos horríveis?
Ele sorriu aquele sorriso de criança má.
_Elas pelo menos são naturais, não fazem plásticas._Deu as costas enquanto retirava as roupas indo em direção ao rio.
_Que horror! Isso é falta de ética!_Ela gritou com desdém.
Ele riu se jogando na água.
_Libélulas não precisam de ética!
Mas precisavam de asas e ele havia se esquecido que não sabia nadar.


RAQUEL LUIZA DA SILVA.

O tempo




Minhas mãos estão paradas, cruzadas sobre minhas pernas cansadas,
Meu corpo se inclina suavemente, curvado pelo peso que já não suporto mais,
Meu olhar vago passeia por entre as ramagens do jardim,
Não sei por que ,ou pelo quê ainda estou aqui.

O vento a me balouçar os cabelos cor de nuvem,
A brincar como bela criança travessa a roubar doce na cozinha.
Ah...! Doce lembrança que me assalta, do tempo da minha mocidade...
Onde se amava e vivia sem nenhuma maldade.

Retalhos, retratos, flashs de um passado que se foi,
Cuja marca ficara na memória até agora,
Da velha mãe, do velho pai, dos manos mais novos, da namoradinha...
Ah...! Doces lembranças sem fim que ainda insistem em viver e aflorar dentro de mim.

A mente não se entrega ao tempo, parece perpetuar o que passou...
Me leva ao velho casebre onde tudo começou e de repente...
Volta novamente e me faz encontrar quem de fato sou...
Sentado no jardim, com o peso da idade a me curvar, sobre a felicidade que já passou e jamais regressará.

Sinto o cheiro das flores, vejo as abelhas a voar, pássaros a cantar,
Tão perfeita é a criação que me enche os olhos com a triste ilusão de nunca este mundo deixar.
Ah...! Doce ilusão que se vai a cada dia que se passa e eu sei que nunca mais irá voltar.

Doce tempo que me arrasta em suas asas, plumas de sonhos...
Me roubastes a juventude e me atirastes ao mundo onde hoje vivo,
A espera do teu último sopro, de teu último toque... Mundo não mais dos vivos, terna casa, morada da morte.

Deixarei para trás saudade, imagem do que fui numa vida de sorte,
Não mais ficarão meus rastros sobre a terra...
Nem meu andar cansado sobre a relva.
Serei apenas reflexo opaco nas memórias de quem se lembrar.
Direi adeus, não mais até breve, porque está na hora de partir para não mais voltar.



Raquel Luiza da Silva.

Sim, eu posso...


Tenho-te ao alcance de meus pensamentos,
Porém longe do alcance quente de minhas mãos,
Posso tocá-lo se quiser, basta fechar os olhos da face e abrir os do coração,
Posso senti-lo se quiser, basta renunciar a um pouco de mim
E me abrir mais á ti...
Sim, eu posso...

O frio é tão doce se comparado ao que nos une
E tão quente e amargo se comparado ao que nos separa,
Tempo, menino de asas imaginárias,
Sopro do que restou de mim, de ti ...
Eu me perdi em um algum momento
E o encontrei no que sobrou do tempo.

Algo é tão real, e parte de ti,
Algo é tão sensível e nasce de mim...
Se me render perco parte do meu coração,
Se não me abrir o perco por inteiro...
Não tenho asas, mas posso voar p/ dentro de mim...
Sim, eu posso...

Ultrapassar as nuvens num vôo se torna fácil,
Impossível é romper as barreiras do tempo,
Tão calmo é o mar ao por do sol,
Porém na ressaca das águas as ondas quebram na praia com violência,
Levando para longe a doce imagem,
A doce lembrança.

Asas estendidas sob o sol,
Lágrimas que secam com o vento,
É a dor que procura morada,
É a lembrança que se vai para nunca mais,
Eu posso ver a luz no fim do túnel...
Sim, eu posso...

Tudo se transforma,
A busca é o caminho,
O encontro é a conseqüência de vidas cruzadas
O destino é união de coincidências,
A morte são as cinzas da vida,
Bálsamo para muitas feridas.

Meu grito é calado,
Meu suor é frio,
Meus pés tocam o caminho,
Eu faço,
Eu posso ser o caminho...
Sim, eu posso...

Tenho gestos livres,
Cabelos ao vento que os leva tal como criança travessa,
A ponte é o sinal da travessia,
A estrada o caminho para a vida,
Seguir é o sentido das Eras,
Nada pára, nada espera.

O sabor da derrota é amargo,
Quem não o prova não poderá conhecer outros sabores,
O álcool da certeza traz lucidez,
A vã esperança de encontra-te em alguma esquina, me faz acreditar,
Posso senti-lo se quiser...
Sim, eu posso...

Queria poder viver todas as minhas vidas, num único abraço teu,
Buscar refúgio sob a luz do teu olhar,
Queria poder juntar numa única rima o passado e o futuro,
Transformar em canção, parte do que esconde as verdades,
Eu queria costurar num poema a realidade.

Não é a chuva que me lavará a alma,
Tão pouco é o sol que aquecerá o frio do meu peito,
Abrem-se mil caminhos,
Busco por dez mil respostas,
Posso ter a chave, posso ser a chave...
Sim eu posso...

Faço da minha vida o inicio, para que em lembranças não tenha fim,
Sou pura nas idéias de quem se lembrar,
Não atraco no porto da solidão,
Eu busco mares, novos ares,
Se me dói a ferida aberta na pele da alma,
É porque minha busca se acalma.

Sim, eu posso optar pelo fim,
Ou tornar início cada momento,
Eu posso me transformar na luz ou nas trevas obscuras,
Sim, eu posso voar, alcançar o infinito,
E ver que tudo se revela dentro de mim.
Sim, eu posso fazer minha própria história, com início, meio e fim...

Sim... Eu posso...


Raquel Luiza da Silva.

A beleza




_Meu Deus ainda não sei o que a vizinha do 57 viu naquele marido horrível dela, baixinho, careca e barrigudo.
_Não sei, acho que nunca vou entender, ela é tão bonita e elegante, mas vive com ele quando poderia encontrar alguém á sua altura, eu se fosse ela teria vergonha.
As duas vizinhas comentavam vendo o casal passar, cena que se repetia todas as manhãs , de braços dados os dois passeavam na praça e trocavam beijos apaixonados, era um casal perfeito que chegava a incomodar aquelas duas mulheres.Um dia, aproveitando que o marido se distanciara foram matar a sua curiosidade.
_Vemos vocês dois tão felizes, desculpe-me, mas ele é tão feio pra você!_Disse uma delas.
_Bem se vê que o amor é cego. _Completou a outra.
_Não acho que o amor seja cego, talvez ele veja além dos nossos olhos e para mim, meu marido é a pessoa mais linda e perfeita do mundo!
O homem se aproximou cumprimentando-as com um sorriso, entregou o sorvete á esposa que tateou o ar até encontrá-lo.
As mulheres saíram incrédulas se perguntando o que levara um homem perfeito a se casar com uma mulher cega.

Para quem não conhece o amor, as suas artimanhas sempre serão um mistério.

Raquel Luiza da Silva.

Voltar a ser menino.


Cansado dos meus livros de filosofia, tirei os óculos dos olhos, o mundo estava opaco, aliás o era sempre que olhava sem aquelas lentes cristalinas de fibra de vidro suspensas por um aro fino metálico, disgner italiano,esteticamente falando era de bom gosto, coisa que eu tinha ao extremo.
A chuva começara e a única distração que eu tinha naquele momento era olhar para a ponta do pé e encenar um teatro com meus dedos, fazia isso quando era criança e ficava doente, minha mãe me proibia de sair de casa, ai ficava imaginando mundos fantásticos cheios de monstros, castelos e donzelas para salvar, donzelas...Eu as salvava e no final recebia em troca figurinhas, porque naquela época não sabia o quão gostoso era receber beijos.
Sempre que chovia me dava uma saudade desvairada daquela minha infância inocente, de correr atrás das meninas e assusta-las com insetos, de roubar doce na janela da dona Araci, só pra vê-la gritar:
_Pede moleque, num roba não!
A gente se asentava cansado na calçada comendo aquele doce feito de rapadura e amendoim, o pé-de-moleque, e se debulhava na risada ao lembrarmos da dona Araci.
Pois é, o tempo passa, os meus amigos cresceram...O Tatu morreu tentando atravessar o deserto do México, sonhava em ser artista nos Estados Unidos, o Chiquinho se casou e virou pastor, a Larissa a “menina dos meus olhos”se tornou prostituta de luxo, a Catarina ficou louca depois que os pais morreram num acidente de carro, o Dinei foi preso e morreu em uma rebelião no ano passado, o Neném deu o golpe do baú numa coroa e vive no Caribe fugindo dos filhos dela, a Vanessa se tornara cantora de rock a última vez que a vi foi num show, mas ela estava tão noiada que me confundiu com Tom Cruise, e eu...Bem, eu estou agora deitado no meu sofá imaginando qual peça encenarei com meus dedos, na verdade horas de folga como estas são difíceis na minha corrida vida de empresário e produtor artístico, acho que eu fugi a estatística e driblei a sorte que não fora lá tão maravilhosa e piedosa com meus amigos.
O que eu enceno?Uma peça de Shakespeare ou uma do Grupo Galpão?
Dúvida cruel, enquanto isso meus dedos de unhas bem feitas e leve camada de base cuidados pelas delicadas mãos da minha habilidosa manicura Maria Rita estão quietos a espera do momento para entrarem em cena, terei que admitir, não tenho mais minha criatividade infantil que viajava para mundo distantes e vivia aventuras fantásticas, aliás eu envelheci, talvez os meus amigos que tiveram uma vida simples ou de infortúnio a viveram e vivem melhor que eu, pois fizeram o que tiveram vontade de fazer, eu porém, fiz a faculdade que meus pais queriam, vesti as roupas que eles queriam, namorei com as pessoas que eles queriam, comi as comidas que eles queriam, mas quando eles queriam me casar com uma granfina cheia de manias e chiliques eu parei, olhei para eles e disse:
_Chega!
Me lembro como hoje da cara desolada da minha mãe buscando respostas no olhar do meu pai quer me metralhava com um ódio incondicional, ai era o início da minha vida adulta e o fim da minha dependência moral e psíquica, e como toda liberdade tem seu preço fui morar com minha avó, já que meu pai não me queria ver nem pintado de ouro.Talvez lá naquela modesta casa no meio das lembranças da minha infância eu teria mesmo vivido, pois trabalhava de office-boy e terminava minha faculdade, mas como todo ser humano fui movido pela ambição e acreditem, depois de muito lutar, mudando de empregos e estudando muito passei a viver justamente a vida que os meus pais almejavam para mim, aquela vida que outrora me sufocava com seu glamour e requinte é justamente a que eu vivo agora, cercado de falsos amigos e do luxo supérfluo.
Meus dedos ainda estão à espera do teatro, mas as lembranças passam a me assaltar, minha infância ficara tão distante...E me vem á mente apenas os flashs das minhas noitadas, das comemorações requintadas e da minha pobre avó naquela modesta casa, de repente me vem uma vergonha e me afundo no sofá fofo. Nunca sentira aquilo, parecia que “Papai do céu”, estava a me ver e a apontar seu dedo dizendo:
_Menino mal!
A chuva! Agora eu descobrira para que servia a chuva, para se ficar em casa e meditar e rever e ver os erros, meu Deus! Minha vó!Como será que ela ta com o céu desabando dessa maneira?
Meus dedos...Que se dane o teatro de dedos, minha vó deve estar com frio e pode haver uma goteira enorme sobre a cama dela!
Me levanto, o que devo vestir?
Que se dane meu bom gosto, minha vó deve estar com frio, vou de pijama mesmo, saio descalço, abro a garagem e dentro de alguns instantes estou na avenida principal rumo ao bairro humilde onde mora a matrona da minha família que tem apenas por companhia o gordo gato Bichano.
Estaciono o carro, uma fraca luz vem de dentro da casa, bato á porta, ela pergunta quem é, deve estar sentada em sua poltrona antiga e cheia de almofadas.
_Sou eu vò, o Alexandre!
_Entra menino, senão você pega um resfriado.
Obedeci e como eu imaginara ela estava sentada em sua poltrona, vestia seu camisolão florido e tinha os pés calçados com grossas meias de tricô que ela mesma fizera.
_O que a senhora faz ainda acordada?
_Eu estava esperando por você, por isso deixei a porta aberta.
_Mas eu não disse que vinha!
_Mas meu coração sabia, eu esperava que a chuva viesse forte para revê-lo, pois sempre se preocupava comigo quando chovia assim , ia ao meu quarto ver se tudo estava bem, e como hoje está esse temporal, eu o esperei vim me ver.
Naquele momento eu me senti um nada na frente daquela franzina velhinha de olhar puro que me fitava com ternura, tive apenas uma atitude, sentei-me no carpete e pousei minha cabeça no colo dela.
_Vó, me conta uma história?
_Claro, meu menino!Que tal a dos músicos de Bremen?
_É a minha prefira.
_Eu sei._Sorriu._Nunca me esqueço das coisas que você gosta.
Meu coração doeu naquele momento eu a havia esquecido e não a via a quase oito anos, morando na mesma cidade.
_Era uma vez...
Meus olhos se encheram de lágrimas, senti saudades dos meus pais, de correr nu no jardim de casa, de rolar na lama e ver minha mãe xingando, de sentir o cheiro de terra molhada, de ser livre e viver sem regras, de ser o menino Alexandre aquele que soltava pipa e subia em muros que não perdia uma briga e deitava na grama sonhando com o primeiro beijo...Na verdade eu só queria nessa hora voltar a ser menino e não é que fiz! Fechei os olhos e a voz da minha vó me transportava para aquela saudosa época e se algum fotógrafo me visse daquela maneira receberia um prêmio expondo minha fragilidade em todos os meios de comunicação, mas eu não me importava e era meu aquele momento...
_Alexandre...Alexandre...
Acordei, o corpo todo doía, olhei ao redor tentando descobrir onde estava, foi ai que me lembrei da noite maravilhosa que tive.
_O café está pronto.
Olhei o relógio na parede.
_Obrigado vó, mas tenho que ir, estou atrasado!_Beijei-a e ia saindo quando me lembrei._Quero que a senhora vá morar comigo.
Ela me sorriu docemente.
_Não posso.
_Porque não?
_Porque se eu fosse, iria se tornar rotina na sua vida, você iria me ver todos dias e iria se esquecer de como é bom sentir saudade e eu não o iria esperar a cada tempestade, não, prefiro ficar aqui, porque o que seria do ser humano sem as lembranças?
Apenas lhe sorri e voltei para a minha rotina, vida corrida e cheia de badalações a espera da próxima tempestade para voltar a ser criança , aliás, o que seria do ser humano sem as lembranças?

RAQUEL LUIZA DA SILVA.